Música Clássica
Os vícios e as virtudes da gravação de uma forma de arte e de uma industria
Num artigo que neste momento circula na net um solista queixa-se de ter sido gravado quando em Londres interpretava o concerto para Violino de Brahms. O artigo completo em que o músico expõe por acaso de forma bastante equilibrada e interessante a sua opinião foi publicado no
Huffington Post.
Vejamos então o que o músico nos diz e se me permitem irei contrapor alguns pontos que me parecem particularmente relevantes.
Primeiro diz que normalmente nas salas de concerto isto é proibido o que é absolutamente verdade. Raramente é permitida a gravação sem autorização. Existem alguma excepções mas por norma quem fez esta gravação cometeu uma ilegalidade mesmo que seja apenas para consumo próprio.
Diz-nos depois que até se sentia lisonjeado que alguém queira gravar e partilhar e reconhece que existe um valor nessa partilha em termos de notoriedade e de relações públicas. Até aqui concordamos totalmente. Admite ainda que essa gravação o dará a conhecer a pessoas que nunca teriam a oportunidade de o ver ao vivo. Perfeito estamos em sintonia.
Depois fala-nos dos pontos que considera negativos e aí é que começam as nossas divergências. Primeiro fala-nos da questão económica que quando alguém compra um bilhete é para ouvir essa perfomance uma vez e apenas uma e que a gravação dessa performance prejudica o seu rendimento enquanto artista que também tem CD´s e que espera uma remuneração pela sua venda. A razão da minha discordância com o músico tem simplesmente a ver com dois pontos muito importantes. A gravação de uma performance não deixa de ser uma gravação. Nunca a poderá substituir. Nunca uma gravação pode dar a mesma emoção do que a partilha ao vivo logo por mais que se deseje "gravar" esse momento existe uma vez e não é reprodutível. Pode obviamente o documento histórico, a gravação dar a partilhar essa experiência com outros mas será sempre diferente da presença no local. Depois obviamente uma gravação em smartphone nunca poderá ter qualidade sequer aproximada para se comparar a uma gravação comercial.
O músico fala-nos em seguida da partilha dos CDs e diz que alguma partilha dos mesmos é inevitável. Caro amigo obviamente é inevitável. Eu também partilho livros e outras obras de arte. Não as copio ilegalmente mas empresto-as e por vezes gravo-as para poder partilhar com mais pessoas. Esta partilha faz parte do direito de propriedade e querer privar um individuo desse direito no pressuposto que retira um beneficio ao artista é ridículo.
O problema é quando o valor do que estão a oferecer nessa embalagem é de tal forma desproporcionado do seu verdadeiro valor que cria o incentivo económico para a pirataria industrial. Não está nunca no "fair use" e partilha que sempre foi feita e é inerente à própria forma de arte. convidar um amigo para ouvir em minha casa uma obra num CD que comprei o fazer o mesmo através da net é exactamente a mesma coisa. Não é essa partilha o problema porque essa tipicamente conduz a uma venda futura (uma ou mais). O problema que a industria tem de resolver isso sim é o valor do que está a oferecer e se o que está a dar corresponde efectivamente à necessidade de quem compra.
Fala por fim o músico do problema da gravação das falhas e de como isso pode prejudicar a memória que essa sim pode ser perfeita (ao invés da gravação ao vivo que nunca o será). Pois não nunca é. E é por essa mesma razão que hoje em dia tantas vezes não conseguimos apreciar os concertos ao vivo porque estamos obcecados com a perfeição de uma qualquer gravação. Ao vivo nunca será perfeito. Precisamente por isso é que não pode ser nunca "o mesmo" caro James Ehnes. As imperfeições não retiram valor acrescentam valor. Porque são humanas e porque a música é isso mesmo.
Mas não te levo a mal James Ehnes porque precisamente nesse ponto tocaste na verdadeira questão. É que as gravações, o hábito das gravações elevaram a nossa expectativa à perfeição. E por isso a cruel comparação do gravado ao vivo vos parece tão perigoso. Ou não ... porque será porventura a redenção da música: A percepção de que a gravação sendo perfeita não é a verdadeira obra. É uma cópia. A verdadeira é apenas e tão somente a que existiu ao vivo. Simplesmente naquele momento.
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