Música Clássica
Ravel (1875-1937) - Muito mais que um Bolero!
Ravel nasceu no País Basco francês a 7 de Março de 1875. A mãe era basca e dela ficou com o gosto pela cultura Basca e Castelhana. O pai era um engenheiro suiço, um inventor que chegou a notabilizar-se por algumas criações mecânicas relevantes. Do pai Ravel deverá ter possivelmente herdado o gosto pela precisão e pelo trabalho meticuloso. Aliá Stranvinsky dizia, um pouco maldosamente que não conhecia melhor relojoeiro Suiço, referindo-se ao cuidado que Ravel colocava na Orquestração das suas obras.
Apesar de ter nascido no País Basco perto de Biarritz a família mudou-se quase de seguida para Paris. Os pais sempre o encorajaram nos estudos musicais onde começou por estudar piano (era aliás um pianista dotado embora pouco consistente no trabalho). Em 1893 o pai apresentou-o a Erik Satie tendo aí começado a revelar-se a grande paixão da sua vida: A Composição. Depois de ter tentado por 3 vezes vencer o Prémio de Roma é obrigado a deixar o Conservatório onde volta em 1898 para se inscrever nos cursos de Gabriel Fauré onde fica até 1900 para novamente voltar a ser expulso por não ter ganho nenhum dos prémios exigidos pelo regulamento. Mantém-se no entanto como aluno em regime livre dos cursos de Gabriel Fauré que foi na verdade o seu verdadeiro mestre enquanto compositor.
O primeiro trabalho publicado dedicado a Ricardo Viñes pianista virtuoso e grande amigo do compositor (também de Debussy) foi
Menuet Antique (1895) primeiro para piano solo e que Ravel como aliás o fez para muitas obras viria a Orquestrar mais tarde (1929). Na interpretação que escolhi podem ouvir o pianista
Samson François (1924-1970).
Embora num menor grau que o seu por vezes amigo por vezes rival Debussy, Ravel também musicou alguns poemas dos maiores poetas românticos franceses como por exemplo
Sainte (1896) sobre um poema de Mallarmé ou Histoires Naturelles sobre textos de Jules Renard (Op. 50 - 1906) ou Sur L´Herbe (1907) com poema de Paul Verlaine, Ma Mére L´Oie baseado em contos de Perrault.
No inicio do século Ravel faz parte da criação de um grupo de artistas que se viria a designar por Apaches caracterizados pela vontade de inovação e de que fazem parte alguns dos grandes vultos do século XX (Manuel de Falla, Stravinsky, Inghelbrecht, Tristan Klingsor por exemplo). É para eles que interpreta em primeira mão a sua primeira grande obra
Jeux d´Eau (Op. 30 - 1901) e também a primeira obra que alcança alguma notoriedade
Pavane pour une Infante Defunte (Op. 19 - 1899) - orquestrada em 1910 ambas estreadas pelo também "Apache" e já referido pianista Ricardo Viñes.
A participação neste grupo terá provavelmente conotado Ravel com uma linha demasiado progressista e está muito possivelmente na base do facto de nunca ter conseguido vencer o Prémio de Roma ao ponto deste facto ter sido causa da demissão do director do Conservatório de Paris substituído precisamente pelo professor de Ravel Gabriel Fauré.
Vingou-se Ravel fazendo música com uma obra que hoje faz parte do reportório de música de camara,
Quarteto em Fá (Op. 35 - 1903). Esse período é aliás possivelmente o mais fértil de Ravel dado que datam dessa época também
Sonatine (Op. 40 - 1903) - nesta interpretação pela pianista Marcelle Meyer (1897-1958) e
Scherezade (Op 41 - 1903) com textos do seu amigo também Apache, Tristan Klingsor.
Seguiu-se um período impressionista e em larga medida inspirado nas raízes espanholas e bascas da sua mãe. Este período começou com
Miroirs (Op. 43 1905) - aqui numa interpretação de Sviatoslav Richter. Seguiram-se Rapsodie Espagnole e L´Heure Espagnole.
Ainda antes da primeira Guerra Mundial que haveria de colocar Ravel numa depressão profunda compôs para Diaghilev (dos bailados russos) um bailado que foi considerado por Stravinsky "a mais bela obra da música francesa". Trata-se do bailado Daphnis e Chloé a mais longa das obras do compositor e na opinião de muitos a sua obra prima. Como em muitas outras circunstâncias Ravel adaptou esta obra para ser executada apenas por Orquestra em duas suites Orquestrais. É uma destas que vos propomos ouvir numa interpretação da
Sinfónica de Nova Iorque dirigida por Vladimir Ashkenazy.
Pelas razões expostas o período da Guerra não foi muito produtivo para Ravel. A única obra que podemos atribuir a esse período é o notável Tombeau de Couperin uma obra de homenagem às vitimas da guerra amigos de Ravel.
Logo após a guerra deu-se o corte de relações com Diaghilev que só não acabou em duelo porque amigos mútuos o impediram, tudo por causa duma encomenda de um ballet de que o empresário não julgou suficientemente bom. Trata-se da obra
La Valse que acabou por se transformar num poema sinfónico aqui numa interpretação verdadeiramente fantástica da Orquestra Nacional de França sublimente dirigida por Leonard Bernstein.
Nos anos seguintes Ravel viu-se confrontado com o facto da sua música já não ser considerada "à la page" o que como foi o caso com muitos compositores entre o século XIX e XX lhe diminuiu muito a vontade de compor. Como veremos encontrou no Jazz inspiração para continuar mas antes disso ainda compôs duas obras notáveis:
Tzigane uma rapsódia para violino e piano (ou Orquestra) e a
Segunda Sonata para Violino e Piano.
Em 1928 após um planeamento detalhado Ravel parte para os Estados Unidos onde iria fazer um tour de mais de quatro meses tendo visitado cerca de 25 cidades e dirigido as maiores Orquestras Americanas. Do ponto de vista do público e dos críticos a tournée foi um sucesso. Musicalmente o encontro com Gershwin e com o Jazz viria a permitir-lhe manter-se actual num século onde Stravinsky, Schoenberg e mesmo Satié se arriscavam a tornar a sua música "antiga". Essa influência viria a notar-se imediatamente no Bolero mas também nas suas duas ultimas grandes obras para piano.
Na volta Ravel iria compor a obra que é sem dúvida a sua obra mais conhecida. Já se escreveu muito disparate sobre esta obra desde a considerar a obra de um doente estimando que a doença neurológica de que padecia o fez escrever uma obra essencialmente repetitiva e obsessiva até se considerar essa composição um ultrage e "não música", este ultimo comentário em grande parte derivado da própria explicação de Ravel da sua obra. Na verdade Ravel escreveu
Bolero (intitulado originalmente Fandango) em grande parte como um exercício de Orquestração em que a ideia era através de simples mudanças de timbre e de volume compor uma obra sem desenvolvimento do tema musical. E na verdade o Bolero é exactamente isso uma repetição (18 repetições para ser preciso) de um mesmo tema por vários naipes e timbres num crescendo absolutamente genial. Não existe desenvolvimento do tema é verdade. São sempre as mesmas notas tocadas repetidamente que por artes mágicas se transformam em coisas sempre novas. Ravel não pensou nunca nesta obra como um trabalho puramente sinfónico, sempre o pensou como um acompanhamento de Ballet por exemplo porém facto é que embora também sirva magnificamente para esse fim (e até possam ser adicionados novos timbres como a voz humana como
neste exemplo sobejamente conhecido e sublime) estes não são indispensáveis. Mesmo sem "desenvolvimento" a obra exprime algo ... Esta obra é a prova do absoluto controlo e domínio que Ravel tem da Orquestração. Ele é sem dúvida um dos grandes mestres de toda a história da música neste aspecto técnico.
Após esta obra e o seu enorme sucesso que não deixou de aborrecer um pouco Ravel sucederam-se rapidamente as suas duas ultimas grandes obras: O
Concerto para Piano para a mão esquerda (Op. 82 1929-1930) e o seu
Concerto para Piano em Sol (Op. 83 1929-1931).
Em 1932 Ravel sofre um acidente num carro e embora num primeiro tempo tenha parecido que nada de grave se tinha passado a verdade é que desde essa data embora tenha mantido a lucidez Ravel não mais conseguiu colocar no papel as ideias musicais que ainda lhe percorriam a mente. Na verdade parece hoje plausível que esse acidente apenas tenha servido como catalisador de um problema que já se vinha revelando há alguns anos.
Desde essa data não mais conseguiu compor tendo falecido a 28 de Dezembro de 1937 em Paris na sequência de uma operação experimental ao cérebro autorizada pelo seu irmão numa tentativa derradeira de lhe fazer recuperar as faculdades mentais (Ravel estava ciente dos riscos que corria mas preferia-os a continuar sem poder compor).
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